Propriedade rural em São Francisco do Glória vira referência de desenvolvimento sustentável na Zona da Mata
Quando o produtor Jorge Augusto de Faria Filho adquiriu em três etapas, no ano de 1999, 79 hectares de uma propriedade rural, no município de São Francisco do Glória, região da Zona da Mata mineira, teve de ouvir da sogra e outros parentes que havia feito um mau negócio. A sogra teria dito ao conhecer o local: “coitado do Jorginho, comprou uma terra pelada”, relata o produtor. E de fato, segundo Jorge Augusto, fazia sentido a constatação dela. A fazenda, batizada de Santa Cruz, quase não tinha árvores.
O nível de degradação ambiental era visível com nascentes quase secando, solos e pastos degradados e outros problemas. Mas o produtor não se deixou abater com as opiniões e arregaçou as mangas. “Apenas um cunhado me encorajou e disse: não existe terra ruim, existe dono de terra preguiçoso. Ouvir aquilo me desafiou e decidi que podia mudar a situação”, relata. Naquela ocasião, nem de longe ele poderia imaginar como tudo seria transformado, tornando suas terras modelo de desenvolvimento sustentável.
Como sempre teve preocupações com o meio ambiente, Jorge Augusto começou a fazer por conta própria pequenas intervenções na propriedade, já que os recursos financeiros eram limitados. Cercou a nascente do açude do local, que é o principal manancial de água de abastecimento da cidade.
Também criou um viveiro de mudas de eucalipto e de plantas originárias da Mata Atlântica, Cerrado e até da Floresta Amazônica que usa para reflorestar e arborizar a fazenda. “Podia contar nos dedos de uma mão quantas árvores tinha naquela época. Considero que plantamos e deixamos na natureza cerca de 10 mil árvores”, revela sobre a situação atual.
A história do obstinado produtor de São Francisco do Glória até poderia terminar por aqui, uma vez que suas primeiras ações já servem de estímulo para quem tem o mesmo sonho de conciliar produção e preservação. Mas é preciso registrar que, nesses 21 anos, as iniciativas solitárias de Jorge Augusto, de recuperação do meio ambiente, acabaram chamando a atenção de órgãos públicos, até porque a propriedade dele tem muitas nascentes e fica na bacia de fornecimento de água do município, o que já é um bom motivo.
Modelo para produtores
Assim, a propriedade de Jorge Augusto foi selecionada para participar de um projeto piloto no município, de restauração de áreas degradadas, se tornando uma espécie de unidade demonstrativa de sucesso, para motivar outros produtores. O principal destaque ficou por conta da implantação dos sistemas de ILPF Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF) em 4,5 hectares e Integração Pecuária e Floresta (IPF) em duas áreas de 2,45 hectares e 2,35 hectares. Mas outras ações do projeto, como as construções de barraginhas e curvas de nível, correção do solo, plantio de árvores e cercamento das nascentes, também foram fundamentais para os bons resultados na propriedade, considerada modelo.
É ainda motivo de admiração a diversificação das atividades na fazenda . Além da criação de gado leiteiro, em transição para gado de corte, e dos plantios de milho, feijão, eucalipto e mogno africano, nos sistemas ILPF e IPF, o dono ainda investe em cafeicultura, produzindo cafés que já ganharam concursos municipais, pela boa qualidade.
“O plantio de café é uma iniciativa minha. Quero especializar na produção de um café gourmet. O próximo passo é obter o Certifica Minas Café”, afirma. O Certifica Minas é um programa do governo de Minas Gerais para promover a adoção de práticas sustentáveis, proporcionando melhor qualidade do grão e da remuneração. Ter o certificado significa agregar mais valor ao produto, abrindo novos mercados, pois a propriedade tem de se adequar e cumprir a uma série de normas relacionadas às boas práticas de produção.
Conexão Mata Atlântica
O projeto na Fazenda Santa Cruz é conduzido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) e conta com ações da prefeitura do município e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).
“Fizemos o projeto técnico para as mudanças na propriedade e ainda continuamos a dar as orientações de condução das culturas, nos sistemas adotados. A prefeitura cedeu o maquinário e a mão de obra para as construções de barraginhas e curvas de nível, explica o extensionista agropecuário, Luciano Guimarães, do escritório local da Emater-MG. As barraginhas e curvas de nível ajudam a infiltrar a água no solo.
O trabalho em São Francisco do Glória faz parte de uma iniciativa maior, o Conexão Mata Atlântica – Projeto de Recuperação e Proteção dos Serviços do Clima e da Biodiversidade do Corredor Sudeste da Mata Atlântica Brasileira, que abrange toda a bacia do Rio Paraíba do Sul, na porção mineira.
O objetivo do Conexão é aumentar a proteção da biodiversidade e da água para combater mudanças climáticas. “Para isso, promovemos atividades de conservação da vegetação nativa, adoção de sistemas mais produtivos e melhoramento da gestão de unidades de conservação”, informa o coordenador do projeto no IEF, Marcelo Araki.
Segundo Araki, a parceria do IEF com Emater-MG tem sido pautada por objetivos comuns e que isso tem contribuído com os resultados positivos do projeto. “A parceria com a Emater-MG tem sido feita por trabalhos em conjunto, para melhorar a propriedade como um todo e não separado, como era feito antes, em área ambiental e área agrícola. Devido ao alto conhecimento em técnicas agrícolas, a empresa tem sido fundamental para a elaboração dos projetos e seu sucesso”, argumenta Marcelo Araki.
De acordo Araki, a sustentabilidade do projeto na Fazenda Santa Cruz pode ser explicada pela conciliação de técnicas de produção com técnicas de conservação e cita, como exemplos, o plantio em nível e o consórcio de diferentes espécies na mesma área.
Marcelo Araki também elenca as ações de preservação de nascentes e áreas de recarga hídrica, manutenção da palhada no solo, uso consciente de agrotóxicos e, muitas vezes, a alteração para produção orgânica, além da formação de corredores ecológicos com conexão de fragmentos de Mata Atlântica. “Tudo isso diminui a necessidade de insumos externos para a produção agrícola e auxilia na conservação da água e do solo”, explica.
Opinião semelhante tem o técnico agrícola da Emater-MG, Luciano Guimarães. “Esse é um projeto sustentável. Neste sistema podemos integrar as atividades agrícolas, pecuárias e florestais, em cultivo consorciado, obtendo com isso um aumento de produtividade, com a redução dos impactos ambientais negativos”, informa. Luciano completa dizendo: “estamos aliando produção agropecuária, com viabilidade econômica, sem comprometer a sustentabilidade dos recursos naturais, com a diversificação das atividades na propriedade rural”.
Recursos e meta
O projeto Conexão Mata Atlântica é financiado com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (Global Environment Facility- GEF), tendo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora e a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) como órgão executor dos recursos. Tudo é feito em parceria com os governos estaduais do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais (Semad, IEF e Uemg) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O Conexão Mata Atlântica iniciou em 2017 e era para ser encerrado em 2021, mas houve prorrogação dos trabalhos até 2023.
Em Minas Gerais, o projeto tem como meta a restauração de 1.005 hectares de áreas degradadas e a capacitação de 365 produtores rurais em uso sustentável do solo e da água. No entanto, segundo o coordenador do IEF, o projeto extrapolou o planejado e capacitou 1.130 produtores rurais e multiplicadores. Entre eles, técnicos de prefeituras e sindicatos rurais.
“Mil hectares de terra estão em processo de restauração, além da criação de duas propriedades modelos com técnicas sustentáveis, sendo elas as propriedades do produtor Jorginho, em São Francisco do Glória, e do produtor André, no município de Dona Euzébia”, salienta.
Para esse ano, segundo o produtor Jorge Augusto, está previsto o início da segunda etapa, em setembro, dos trabalhos na Fazenda Santa Cruz. “Em função dos resultados, eles resolveram continuar. Já foi até licitado o material. Estou destinando um total de 7,5 hectares para mais implantação dos sistemas ILPF e IPF. Serão cinco hectares de ILPF, com o plantio de milho, mogno africano e pastagem e outros 2,5 hectares para IPF, com pastagem, mogno africano ou eucalipto. Ainda não foi decidido quais árvores serão mais viáveis para dividir o espaço com o gado”.
De acordo com informações do IEF, enquanto houver recurso financeiro, o projeto Conexão Mata Atlântica poderá atender qualquer propriedade rural que se encaixe nas diretrizes do edital da chamada pública IEF/GEF-BID Nº 001/2019. Para tanto, o produtor rural interessado deverá procurar uma agência do IEF mais próxima de sua propriedade.
Ainda segundo o IEF, no caso da Fazenda Santa Cruz, foi utilizado como critério de escolha a propriedade fazer parte da bacia de abastecimento de água do município, o proprietário ter perfil de conservacionista, estar inserido em uma região de alto índice de degradação do solo e, principalmente, pelo interesse do produtor em fazer parte do projeto.