Audiência Pública em Conceição do Mato Dentro: Anglo American apresenta projeto de alteamento de barragem e gera debates

O Ginásio Poliesportivo de Conceição do Mato Dentro foi palco de uma concorrida audiência pública na noite de 22 de maio, para discutir o projeto de 2º Alteamento da Barragem de Rejeitos do Sistema Minas-Rio, da Anglo American. Com o ginásio lotado, a maioria dos presentes demonstrou apoio às apresentações da mineradora, sinalizando uma receptividade notável ao projeto.

Cerca de mil pessoas lotaram o ginásio poliesportivo de CMD.                                   Fotos: Flávio Santos / Jornal Impacto

O evento, que faz parte do processo de licenciamento ambiental, teve como objetivo principal o diálogo com a comunidade e o esclarecimento dos detalhes da proposta. Rodrigo Amaral F C Gontijo, líder do projeto da Anglo American, iniciou a apresentação, destacando os 17 anos de atuação da empresa no Brasil e a relevância do empreendimento para o desenvolvimento socioeconômico da região no qual foram detalhados os aspectos do projeto.

 

Detalhes do Projeto e Garantias de Segurança

Representantes da Anglo American explanaram e esclareceram dúvidas sobre o projeto.

O cerne do projeto reside no alteamento de 25 metros da cota final da barragem, elevando-a para 85 metros. O objetivo é garantir a continuidade da operação do Minas-Rio por mais de 40 anos após 2030. A Anglo American enfatizou que o alteamento, utilizando o método a jusante, é a única opção viável para a disposição do rejeito ultrafino. A empresa destacou a futura planta de filtragem, que entrará em operação em 2026 e que, segundo a mineradora, reduzirá em 85% o volume de rejeito destinado à barragem, além de gerar 340 novas vagas de trabalho permanentes, com prioridade de 60% para a população local.

A segurança da barragem foi um ponto amplamente abordado. A mineradora assegurou o monitoramento constante 24 horas por dia, 7 dias por semana, um moderno centro de monitoramento geotécnico e auditorias externas que atestam a estabilidade da estrutura. O Programa de Atendimento à Emergência para Barragens de Mineração (PAE-BM), com simulados periódicos, também foi apresentado como ferramenta crucial para a comunicação e ação em casos de emergência. Leonardo Leopoldo, gerente de geotecnia da Anglo American, reforçou que a barragem é construída em aterro compactado, não utilizando rejeito em sua estrutura e não sendo posicionada sobre ele, garantindo maior segurança.

Impactos e Medidas de Mitigação
Júlio Ribeiro, diretor técnico da WSP Consultoria e Projetos, apresentou os 37 impactos ambientais e sociais identificados, categorizados em aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos.

Entre os impactos negativos esperados, destacam-se:

  • Impactos na qualidade do ar, ruído e vibração durante as obras, com medidas de mitigação como molhagem de vias e controle de velocidade..
  • Alteração do terreno e dinâmica erosiva, com planos de recuperação e revegetação.
  • Supressão de cavidades, com previsão de medidas compensatórias.
  • Impactos na flora e fauna, com programas de resgate, controle de supressão vegetal e restauração de áreas.
  • Impactos socioeconômicos, como aumento das expectativas e incertezas da população, intensificação de incômodos (poeira, ruído, tráfego), aumento das inseguranças em relação à barragem, alteração da dinâmica demográfica e aumento da pressão sobre infraestrutura e serviços públicos.

Para mitigar esses impactos, a Anglo American propôs diversas ações, incluindo a priorização da contratação de mão de obra local, comunicação robusta sobre a segurança da barragem, apoio à gestão pública na adequação da infraestrutura e um Plano de Reassentamento desenvolvido coletivamente para as famílias afetadas. Este plano visa garantir a manutenção dos vínculos sociais e culturais e a reestruturação produtiva.

O Ponto de Polêmica: Reassentamento e Passivos Anteriores
Apesar do apoio da maioria dos presentes, um dos pontos que gerou um certo nível de polêmica na audiência foi a necessidade de reassentamento das famílias que residem na Zona de Autossalvamento (ZAS), devido ao aumento da mancha hipotética de inundação. A empresa reiterou que o plano foi construído coletivamente, com assessoria técnica independente e a criação de comitês para negociações.

No entanto, a fala do Dr. Frederico Tavares de Lana Machado, promotor de justiça da Comarca de Conceição do Mato Dentro, trouxe um contraponto crucial, levantando a questão dos passivos sociais de etapas anteriores que, em sua visão, deveriam ser quitados antes da ampliação de novos impactos. O promotor citou a falta de providências em relação aos apontamentos das condicionantes socioeconômicas do IPF3 (exemplo: condicionante 47 e revisão do PNO para residentes), além das falhas nos reassentamentos de Piraquara e Simão Lavrinha, como a falta de água.

O promotor também destacou a necessidade de reassentamento da metade da comunidade do Gondó, que estaria fora das reparações até então, e o cumprimento da condicionante 50 da licença prévia/instalação do Step3, que prevê a contratação de instituição independente para levantamento e valoração de dados materiais e imateriais. A crítica do Ministério Público aponta para a importância de aprender com os erros dos reassentamentos passados, enfatizando que “consertar dá muito mais trabalho do que se a gente tivesse olhado lá na concepção, na elaboração daquele processo para poder fazer bem feito”. A fala do promotor, citando a Lei Mar de Lama Nunca Mais, em seu artigo 12, que veda a concessão de licença ambiental para alteamento de barragem em cujo estudo de ruptura seja identificada comunidade na ZAS, reforça a gravidade da situação.

Essa divergência entre a percepção da empresa sobre a condução do reassentamento e a cobrança do Ministério Público sobre passivos anteriores, somada às denúncias do Instituto da Cordilheira e da Associação Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular sobre a falta de transparência, a fragilidade dos estudos de impacto e as táticas de pressão da Anglo American, como o “terrorismo de barragem”, representa o principal ponto de polêmica da audiência, evidenciando a complexidade da questão e a necessidade de atenção contínua aos impactos sociais do projeto. As denúncias de que a empresa teria utilizado táticas para favorecer sua imagem na audiência, como a abertura antecipada dos portões e a modificação da disposição de televisões para evitar a exibição de faixas de protesto, também alimentam a controvérsia.

O prefeito de Conceição do Mato Dentro, Otacílio Neto, declarou que o posicionamento do Governo é em prol das comunidades atingidas e impactadas, bem como do empreendimento, desde que seja realizado com responsabilidade e em favor do desenvolvimento sustentável.

Ele disse que, desde o início de seu governo, tem buscado diálogo com a mineradora e que já conseguiu garantias para a assinatura de um Protocolo de Intenções que destinará R$ 500 milhões para as áreas de educação, saúde, estrutura viária, desenvolvimento e, principalmente, para a estruturação das comunidades atingidas e reassentadas. Ele destacou que o município evoluiu de um acordo de R$ 20 milhões no governo passado, para aprovação do Step 3, para um acordo de R$ 500 milhões, que beneficiará todo o município.

O presidente do Metabase de Itabira e Região, André Viana, defendeu o projeto, ressaltando a importância da mineração para o desenvolvimento da região. Ele provocou reflexão no público, mostrando que muitos objetos do dia a dia têm derivação da mineração, o que demonstra a relevância dessa atividade na vida de todos, principalmente na melhoria financeira das comunidades.

Próximos Passos
O cronograma do projeto prevê a obtenção da Licença Prévia (LP) ao longo de 2025 e a Licença de Instalação (LI) em 2029, após a conclusão do reassentamento. As obras de alteamento, que gerarão picos de 1.200 empregos durante o período seco, devem durar 12 anos. A Anglo American assegura que todo o processo será conduzido em parceria com órgãos como o DER-MG para minimizar os impactos no trânsito da MG-10, cujo traçado também será afetado e modificado pelo alteamento da barragem.

A viabilidade do projeto, conforme a conclusão do estudo de impacto ambiental, está condicionada à rigorosa implementação de todas as medidas e ações indicadas, com acompanhamento contínuo, transparência e participação social.

Cartazes e faixas de pro e contra dividiam o espaço no ginásio.

Durante a audiência, com a manifestação do público presente após cada fala e apresentação sobre o projeto, verificou-se que a esmagadora maioria dos presentes, que de certo modo representa os anseios da sociedade como um todo, é favorável ao alteamento da barragem, considerado crucial para a continuidade das atividades minerárias no município. Porém, muitos também questionam os malefícios e impactos causados pelo empreendimento. Destaca-se também que um bom percentual dos presentes é composto por colaboradores diretos da Anglo American ou de suas terceirizadas.

Portanto, acredita-se que o cumprimento das exigências legais e o diálogo entre as comunidades podem garantir a aprovação das licenças ambientais que a empresa pleiteia para dar prosseguimento ao projeto.

Fotos: Flávio Santos / Jornal e Portal Impacto