A Nova Cozinha Mineira

por Leônidas de Oliveira*

A “nouvelle cuisine” que, em francês, significa “nova cozinha”, nasceu na França, nos anos 1970. O foco do movimento de alta gastronomia, em seus dez mandamentos, foi, ao mesmo tempo, valorizar e propor uma criatividade inventiva com relação à rebuscada e pesada cozinha clássica. À frente do movimento, grandes chefs, como Alain Chapel, Michel Guérard, Roger Vergé e Raymond Oliver, liderados pelo criador Paul Bocuse e por Jean Pierre Troisgros. As principais características da “nouvelle cuisine” são o frescor, a leveza, a delicadeza dos pratos e a ênfase na apresentação.

O movimento revolucionou a alta gastronomia ao destacar o sabor natural e a sazonalidade dos alimentos – mais baratos e saborosos –, ao reduzir a utilização de gorduras e imprimir uma nova estética.

Leônidas Oliveira. foto: divulgação

Ora! É exatamente o que vem acontecendo com a clássica cozinha mineira, base da nova cozinha mineira, principalmente na belíssima cidade de Tiradentes e seus inventivos festivais, dos quais a gastronomia é pioneira no país; cidade sempre na vanguarda, por ser uma das mais turísticas do Brasil.

Quinhentos anos antes da descoberta do Brasil, indígenas, que povoavam as regiões Sul e Sudeste, cultivavam alimentos como a mandioca, o milho, a abóbora e diversos tipos de feijão, que se tornariam a base da cozinha “caipira”, acrescida, claro, da contribuição portuguesa, com as bandeiras paulistas e da capital, Rio de Janeiro. E, sobretudo, a africana, seu conhecimento em agricultura, o modo de fazer, a maneira de se comer, com ingredientes como o quiabo. Influências que, há 300 anos, chegaram a Minas Gerais.

Hoje, a cozinha clássica influi para a nova cozinha mineira, que remete à já citada “nouvelle cuisine”, mas não só. Também a exemplo do Japão e dos vizinhos: o País Basco espanhol e o País Basco francês, com a culinária “fusion”. Ou, em inglês, a “fusion food” – cozinha de fusão, mistura de ingredientes e técnicas com trocas de experiências, criando novas versões de uma receita.

Uma cozinha mais controlada, uma maior atenção à temporalidade, às cozinhas regionais como fonte de inspiração. De lá para cá, em três décadas, nasceram pratos com forma inovadora e em escala, da nossa culinária contemporânea, ou melhor, “a nova cozinha mineira”.

Acima de tudo, uma forma de entender seu forte apelo comercial, conectado com o mundo. Momento fundamental de perder complexos diante da cozinha clássica, que foi e continua a base de tudo, única, original; cartão postal de Minas no Brasil e, em breve, no mundo.

A mesma cozinha clássica que, fundada nos elementos da terra, foi recentemente protegida como Patrimônio Cultural de Minas Gerais pelo Iepha. Ou o queijo minas, ora candidato a Patrimônio Mundial pela Unesco. Isso sem esquecer o café, a cachaça e duas outras belas novidades: o azeite e o vinho!

Aliás, foram os restaurantes da cozinha clássica a vanguarda na compreensão identitária na gastronomia mineira. Esse fenômeno contemporâneo ainda precisa, e muito, ser objeto de pesquisa e mais bem compreendido.

No Brasil, em São Paulo, Alex Atala e Helena Rizzo também buscaram de forma rotunda, assim como em determinadas regiões de Minas Gerais, a despensa local, amazônica ou mediterrânea, mas com uma linguagem própria. Ao passo que na França, quase de forma simultânea, o movimento adquiria um caráter mais global.

Dialéticas presentes na nossa própria forma de ser. Passado e futuro se juntam na nova cozinha mineira, gerando uma rede de mestras e mestres da cozinha, chefs nas nossas escolas de gastronomia. Chefs que se espalham pelo território, pelas cidades e distritos, fazendas, restaurantes e botecos, agregando valor à nossa agricultura familiar com um intenso processo de pesquisa pessoal. Coletivo de mãos que recriam nossa cozinha pela criatividade peculiar do sistema contemporâneo.

O exemplo vivo e mais recente é uma iniciativa do governo de Minas, por meio de Secult-MG e Fundação Clóvis Salgado, o 1º Festival Internacional da Cozinha Mineira Contemporânea – CaipiBlue, nos dias 1º, 2 e 3 de setembro, em Belo Horizonte.

“CaipiBlue” porque o país convidado para a estreia é Curaçao, ilha holandesa no Caribe, famosa pelas praias, pelo mar azul e pelo licor de laranja, o Curaçao Bleu. Licor que, na mesma linha “fusion”, misturou-se à cachaça de Minas, em uma “caipirinha azul”. Saúde!

*Leônidas Oliveira é secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais